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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sob efeito do rebite


O caminhoneiro L.G.S, de 31 anos, ligou a televisão instalada na boleia de seu caminhão e viu uma notícia que o preocupou. O jornal mostrava o acidente que causou a morte de dois jornalistas da TV Bandeirantes na ERS-122, na Serra Gaúcha, na última sexta-feira, por culpa de um motorista de caminhão que havia usado estimulantes para não dormir, os rebites.
L.G.S também usa medicamentos à base de anfetamina para conseguir cumprir horários e passar noites em claro. Ele faz parte de um subgrupo dessa categoria, que vive movido a estimulantes e cruza as estradas do país colocando a si mesmo e outras pessoas em risco.
De acordo com o “Perfil do Caminhoneiro no Brasil”, pesquisa conduzida pelo programa de pós-graduação em psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com o Instituto WCF-Brasil, 15,2% dos caminhoneiros entrevistados admitiram fazer uso dos rebites. A pesquisa ouviu 239 caminhoneiros de todo o Brasil, inclusive de São Paulo.
De acordo com a pesquisa, 10,5% dos entrevistados admitiram fazer uso de estimulantes de um a três dias por mês. Outros 3,4% disseram que usam rebite entre quatro e 19 dias por mês. E 1,3% usam anfetamina 20 dias ou mais por mês.
Rotina
Pela amostragem da pesquisa, na cidade de São Paulo, onde existem 54 mil caminhoneiros, seriam 8.208 motoristas trabalhando nas ruas e estradas sob efeito de anfetaminas.
“Não fazemos isso porque queremos”, afirmou L.G.S. “No meu caso, trabalho com carga perecível e preciso cumprir horário para não perder a mercadoria”, completou.
L.G.S transporta verduras em um caminhão frigorífico. Nesta semana, ele saiu segunda-feira de São Paulo para chegar quinta-feira de manhã em Belém (PA), a 2.463 quilômetros de distância. “Para cumprir o horário tenho de dormir uma noite e passar duas em claro”, disse. “Quem disser que faz isso sem rebite está mentindo.”
No último domingo, L.G.S aproveitou o dia de descanso num posto no início da Rodovia Anhanguera, onde companheiros faziam um churrasco e ouviam música sertaneja. Um dos violeiros era o também caminhoneiro Alvaro Scapini, de 48 anos, um ex-usuário de anfetamina, que agora viaja acompanhado da mulher Paula e estaciona para dormir toda vez que fica com sono. “Estou na estrada há 22 anos e no começo também usava rebite”, disse. “Com a maturidade descobri que minha vida é mais importante do que cumprir horários.”
Sono é uma das maiores causas de acidentes
De acordo com o professor do Departamento de Psicobiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e chefe da disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Marco Túlio de Mello, entre 27% e 32% dos acidentes de trânsito são provocados por motoristas que dormem na direção, responsáveis também por 19% das mortes no asfalto.
O sono é o principal fantasma dos caminhoneiros, tanto assim que muitos deles, 15,2%, admitem fazer uso de estimulantes para não dormir. Como sugere o termo, são substâncias que aceleram (estimulam) a atividade do Sistema Nervoso Central (cérebro), que passa a funcionar mais rapidamente. A pessoa então anda mais, corre mais, dorme menos, fala mais e come menos.
A maioria dos caminhoneiros faz uso dos estimulantes sintéticos, isto é, fabricados em laboratório, como a anfetamina (“bolinha”), a metanfetamina (“ice” ou “pervitin”), e várias substâncias que são usadas para tirar a fome (os chamados anoréticos ou inibidores do apetite). De acordo com estudo da Unifesp, o uso continuo desses medicamentos deixa a pessoa mais agressiva , irritadiça. Em doses muito elevadas pode produzir um estado que se assemelha muito a uma doença mental, a esquizofrenia.

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