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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Usa droga quem quer: vício atrás dos volantes


Salvador/São Paulo em 30 horas. Mossoró/São Paulo em 24 horas. Itajaí/Fortaleza em três dias. Como cumprir esses prazos transportando 30 toneladas em um caminhão? Utilizando dois motoristas ou obrigando que um deles fique longos períodos sem dormir.
Como a segunda opção representa menos custos, transportadoras sem escrúpulos e sem noção de que podem perder muito mais do que a carga, passam a escala de horário e o motorista que faça a loucura que quiser para cumpri-la.
Os motoristas ficam na encruzilhada: aceitam a tarefa e partem para a estrada abastecidos de rebite, cocaína e crack, arriscando suas vidas e as vidas de outras pessoas, ou se recusam a cumprir o horário e perdem o emprego? Na maioria das vezes, as contas falam mais alto e o caminhoneiro sai para uma viagem que pode não ter volta.
Mas o que leva o caminhoneiro a se drogar e entrar em uma estrada? O motivo mais frequente apontado pelos próprios motoristas é o curto espaço de tempo que as empresas dão para cumprir um determinado percurso. “Uma empresa me obrigava a fazer Salvador/São Paulo em 48 horas”, afirma Claudio Cosme Moreira, 32 anos, e há oito na estrada. “E eu cheguei a fazer em 30, na base do rebite e da garrafinha”, afirma sorrindo. A garrafinha era usada para urinar, sem ter que parar nos postos, o que tomaria tempo.
“Eu tomei muito rebite para cumprir horário porque tinha a ilusão de ganhar dinheiro, pagar as contas e não é nada disso”, garante Moreira. “Hoje eu não tomo nenhuma droga, estou muito bem, com dois caminhões e aos 32 anos de idade, estou bem fisicamente, ‘to novo’. Se eu continuasse na tocada que estava, não chegaria aos 40 anos. A droga acaba com as pessoas”.

É usual no meio, falar que o caminhoneiro é um “coitado, refém dos patrões”. Mas uma voz afirma em alto e bom tom que isso não é verdade, que o caminhoneiro tem sua parte de culpa. “Se o patrão te manda dirigir a noite toda, troque de patrão”, aconselha Emilio Dalçoquio, diretor Operacional da Transportes Dalçoquio.
“Se o cliente te manda dirigir a noite toda, troque de cliente e se a vida lhe transformou em um drogado, troque de vida. Atualmente existe um grande número de ofertas para motoristas bons, capacitados e com consciência. Só toma droga quem quer”, afirma.
As causas
Norival de Almeida Silva, presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo, Sindicam-SP admite que existem drogas nas estradas, mas diz que quem a oferece é um traficante, irresponsável, assassino, não tem nada de bom.
Ele explica que hoje, dentro da esfera do transporte, há de tudo o que se possa imaginar, o bom, o ruim, o médio. Por outro lado, existe a parte financeira, que é a receita, a despesa, o frete baixo, o longo percurso, o percurso de exploração, que é aquele que o embarcador pede para o motorista fazer em um tempo impossível de ser cumprido.
“Tudo isso leva os caminhoneiros a apelarem para as drogas, seja qual for”, explica o presidente do Sindicam-SP, que tem uma ideia para acabar com as drogas na estrada. “O caminhoneiro deveria fazer no mínimo dois check up por ano para comprovar se usou droga ou não. Ninguém sai de São Paulo para o Mato Grosso para pescar, sem levar a carteira de licença de pescador. Por que ele não levaria sua carteirinha de saúde para provar que ‘está limpo’?”, questiona o presidente do Sindicam-SP.
A ideia é contestada por Emilio Dalçoquio por experiência própria. “Na minha transportadora fazemos exames mensais anti-doping. Tem motorista que para de usar/cheirar 15 dias antes para se livrar do flagrante”, conta Dalçoquio. “Chegamos a pegar motorista bêbado no volante e não demitimos porque ele ‘não foi obrigado a fornecer provas contra ele mesmo’. Não podemos confundir democracia com anarquia, nem esquecermos que direitos humanos são para humanos direitos”.
Norival Silva está esperançoso com a aprovação do Projeto de Lei 319 (PL 319) que deverá eliminar aberrações como rodar 50 horas sem parada, fazendo uso de qualquer coisa, sem fiscalização, sem local para estacionar e descansar e com muitos pontos de venda de drogas. “A droga chega a qualquer lugar”, garante Silva. “O problema é que o organismo acostuma com uma quantidade e o caminhoneiro começa a procurar mais forte, mais forte, e o cemitério está muito perto”.
“A cocaína dá mais dinheiro que o rebite”, afirma Fernando do NascimentoAndrade, 36 anos e seis nas estradas. Dono de um Scania 113, diz que o rebitesumiu das estradas para a cocaína e outras drogas entrarem. “Na rodovia Fernão Dias, é mais fácil comprar droga do que pão”.
“O rebite foi tirado das estradas para que os traficantes pudessem comercializar a cocaína”, confirma Lourival Campos Cardoso, 51 anos de idade, 25 de caminhoneiro que dirige um Scania 340, de uma transportadora. “O pessoal precisa de droga para continuar a noite e acaba comprando cocaína. O culpado são as empresas que liberam o caminhoneiro com 27 toneladas de São Paulo para ir em 10 horas direto para Curitiba, PR, uma distância de 600 km”.
Emilio Dalçoquio rebate a opinião do caminhoneiro. “Hoje, um caminhoneiro mediano tem cinco ofertas de emprego”, afirma. “Um caminhoneiro bom tem dez ofertas e um excelente motorista tem uma infinidade de ofertas. Por isso, não justifica o motorista dizer que ‘toma droga porque o patrão manda’. Ninguém precisa ser drogado”.
Cláudio Moreira dá um exemplo prático de que se drogar não vale nada. “O cara que toma cocaína e essas coisas todas é por sem-vergonhice”, garante o caminhoneiro. “Se entrou no vício é difícil sair, mas não adianta nada porque ele acaba chegando mais tarde do que os outros. Isso porque ele para nas estradas, nas ‘bocadas’ para comprar a droga, para cheirar e aí o tempo se vai”.
O presidente do Sindicam-SP diz que quem usa droga é um maluco. “Nesse meio, temos algumas pessoas de cabeça fraca entrando nesse esquema, fazendo desgraça, matando famílias e se matando”, diz Silva. “Na minha base, com certeza muito poucos caem no vício. Alguns que fazem longa distância apelam para isso, mas são poucos”.
Ele sugere que para tirar as drogas das estradas, além dos exames periódicos, as entidades sindicais, federação e comunidade, devem levar o conhecimento do direito do cidadão, um pouco mais no quintal para que ele saiba. “Temos que ter audiências públicas, em escolas, em cidades com mais de 100 mil pessoas, trazendo as crianças para o trânsito para que elas sejam o motorista, o guarda, o ‘marronzinho’ e falar sobre tudo, inclusive drogas. Ensinar as crianças para corrigir os pais”, diz o presidente do Sindicam.
Esse pensamento tem um exemplo prático em Lourival Cardoso que afirma nunca ter tomado droga por ter sido criado longe delas e ter recebido informações sobre os efeitos que elas causam.
No outro extremo, Emilio Dalçoquio acusa algumas transportadoras de não se importarem de que existam drogas junto com seus motoristas para que eles cumpram os horários. “As empresas entregam caminhões novos, com 500 hp, câmbio automático e mais uma série de equipamentos e não controlam nem a velocidade nem a jornada de trabalho”, desabafa Dalçoquio. “Eles ignoram, fingem e mudam de assunto quando se fala em drogas debaixo do colchão do caminhão. Isso porque o caminhão está segurado, e se o motorista bater, morrer ou matar, pouco importa, o seguro paga. Enfim, um assassino camuflado de gente boa”.
O que parece absurdo tem a comprovação de Lourival Cardoso. “No sul, havia uma empresa que pagava a carteira de motorista para garotos de 18, 19 anos. Depois de habilitados, colocava um caminhão na mão deles, uma caixa de rebite, mandava acelerar e avisava que se batesse, tinha outro caminhão no pátio”, lembra Cardoso.
Como parar
Além de exigir exame médico dos caminhoneiros a cada seis meses, ou mensal, para constatar o uso ou não de drogas, e exigir que as transportadoras apertem mais o cerco contra motorista que dirige drogado, Claudio Moreira dá uma sugestão. “Em todo acidente envolvendo caminhão, deveria ser feito um exame rigoroso no motorista, e se encontrasse o menor vestígio de droga, a transportadora receberia uma multa pesada e perderia direito ao seguro”, sugere ele.
O estabelecimento de uma jornada decente, 4,5 horas dirigidas e 45 minutos de descanso, depois mais 4,5 horas é claro, com vários pontos de parada, também é um bom motivo para que o caminhoneiro não se drogue. Mas é importante que os “estudiosos e tecnólogos” do transporte não ignorem a experiência de quem está na estrada. ?Ninguém vai fazer horário, virar 24 horas sem tomar nada?, alerta Fernando Andrade. É bom ressaltar que a maioria dos caminhoneiros faz sua jornada de trabalho sem tomar drogas. Infelizmente, em toda profissão existem aqueles que escolhem caminhos irregulares, sem pensar no mal que estão fazendo a si próprios, a seus familiares e a terceiros.
Emílio Dalçoquio convoca as verdadeiras mulheres da vida de um caminhoneiro: mãe, esposa e filha para que usem a força que elas têm: o diálogo. “Através de um diálogo tipo olho no olho, com o coração puro e verdadeiro, livre de preconceitos, é que elas poderão mudar os maus hábitos de seus maridos, trazendo-os para uma vida limpa, pura e saudável. “Enfim, uma vida digna e honrosa como a maioria dos caminhoneiros merecem e têm”, afirma Dalçoquio.
Sob o efeito da droga, o caminhoneiro perde a noção de tempo, distância e profundidade. Não tem noção da real velocidade em que se encontra e muito menos da distância necessária para evitar um acidente. Nessas condições, sua vida fica nas mãos da eficiência ou não do freio do caminhão. Se ele falhar, você está morto. Você vai arriscar?

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